Regulamentação de Jogos de Azar no Brasil: Um Debate entre Impulsos Econômicos e Riscos Sociais
A regulamentação dos jogos de azar, proposta que inclui a legalização de cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalo, reacende um debate polêmico no Brasil. Apontada como uma solução para impulsionar o turismo e gerar receita tributária, a proposta divide opiniões entre membros do governo, especialistas, sociedade civil e lideranças religiosas.
Embora aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em junho de 2024, a matéria segue sem perspectiva de votação final. O adiamento reflete o impasse entre os benefícios econômicos e as potenciais implicações sociais e éticas associadas à legalização de jogos de azar no país.
O Contexto Econômico e Político
Desde a proibição dos jogos de azar em 1946, o Brasil convive com uma economia paralela significativa no setor, especialmente no caso do jogo do bicho e de apostas online. A proposta atual busca trazer a atividade para a legalidade, permitindo ao governo arrecadar impostos e controlar operações que já ocorrem de forma clandestina.
O ministro do Turismo, Celso Sabino, é um dos principais defensores da proposta, destacando o potencial de arrecadação de R$ 20 bilhões anuais e a geração de empregos no setor de turismo. Sabino sugere que resorts com cassinos integrados poderiam transformar destinos pouco explorados, como Salinópolis (PA) e Alter do Chão (PA), em polos turísticos internacionais.
Contudo, o projeto enfrenta resistência dentro do próprio governo, com setores preocupados com os riscos sociais associados ao vício em jogos e à inadimplência, que já afetam milhões de brasileiros.
Os Benefícios Econômicos da Legalização
- Aumento da Arrecadação: A regulamentação introduziria dois novos tributos:
- Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas (Tafija): Com valores trimestrais entre R$ 20 mil (casas de bingo e jogo do bicho) e R$ 600 mil (cassinos).
- Cide-Jogos: Uma contribuição sobre a receita bruta, com alíquota de até 17%.
Parte dos recursos seria destinada a saúde, segurança pública, educação e formação de atletas.
- Desenvolvimento do Turismo: Cassinos integrados a resorts de luxo poderiam atrair turistas internacionais, impulsionando economias regionais.
- Formalização e Controle: A atividade sairia da economia paralela, permitindo maior controle sobre operadores e consumidores, dificultando crimes como lavagem de dinheiro.
- Geração de Empregos: Estima-se a criação de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos, abrangendo diversos setores, desde o turismo até a construção civil.
Os Riscos Associados
- Vício em Jogos e Impactos Sociais: Dados do Departamento de Psiquiatria da USP indicam que cerca de 2 milhões de brasileiros sofrem de ludomania. Além disso, uma pesquisa revelou que mais de 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes devido a dívidas com apostas em 2023 e 2024.
- Aumento da Desigualdade: O vício em jogos pode agravar a situação de vulnerabilidade econômica em famílias de baixa renda. Beneficiários do Bolsa Família gastam, em média, R$ 100 por mês em apostas.
- Lavagem de Dinheiro: Apesar de prometer maior fiscalização, a legalização pode abrir brechas para atividades ilícitas.
- Impactos na Economia Local: Gastos com apostas podem desviar recursos de setores como o varejo, impactando o consumo geral.
Experiência Internacional
Países como Estados Unidos, Portugal e Macau oferecem exemplos de regulamentação bem-sucedida. Em Las Vegas, cassinos são o pilar da economia local, gerando empregos e atraindo milhões de turistas anualmente. Portugal, por sua vez, utiliza a receita dos jogos para financiar programas sociais.
No entanto, mesmo em países com regulamentação avançada, o vício em jogos permanece um desafio. A experiência internacional destaca a importância de adotar políticas robustas para prevenir danos sociais.
Pontos-Chave da Proposta
- Cassinos em Polos Turísticos: Um cassino por estado, com exceções:
- São Paulo: até três cassinos.
- Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará: até dois.
- Bingos e Jogo do Bicho: Casas de bingo seriam limitadas a uma por município ou uma a cada 150 mil habitantes em cidades maiores. Empresas de jogo do bicho seriam limitadas a uma a cada 700 mil habitantes por estado.
- Impostos e Regulamentação: Novos tributos (Tafija e Cide-Jogos) garantiriam arrecadação direta. Licenciamento e fiscalização seriam responsabilidade do Ministério da Fazenda.
- Prevenção ao Vício: Identificação obrigatória de jogadores para restringir o acesso de pessoas com histórico de dependência. Parte da arrecadação seria destinada a programas de saúde mental.
Perspectivas para o Futuro
Apesar do apoio de setores do governo e do mercado, a proposta enfrenta um caminho difícil no Senado. A votação final foi adiada, e pedidos de informações adicionais foram feitos aos ministérios da Saúde e Desenvolvimento Social.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou que sancionará o projeto, se aprovado, mas reconheceu que os benefícios econômicos não são uma solução para os problemas estruturais do país.
Conclusão
A regulamentação dos jogos de azar no Brasil apresenta um dilema: enquanto oferece uma oportunidade de impulsionar a economia e formalizar atividades clandestinas, também levanta preocupações legítimas sobre seus impactos sociais. O desafio será encontrar um equilíbrio entre a promoção do desenvolvimento econômico e a proteção dos mais vulneráveis, garantindo que os benefícios da legalização superem os riscos.